4.9.10

AO JORNAL VANGUARDA

Em julho de 2010, o Jornal Vanguarda teve um delicioso encontro com o poeta mineiro Hugo Lima. Esse simpático “ser de poesia”, com muita inteligência e sofisticação, nos falou sobre suas origens, referências, influências e projetos para o futuro. Acompanhe, na íntegra, nossa entrevista que aconteceu no café do Palácio das Artes, local definido por ele como um dos mais agradáveis da cidade.

Por Herlon Cavalcanti * Imagens: Diego Moutinho



Boa noite, Hugo! É uma alegria muito grande para nós do Jornal Vanguarda, que já acompanhamos o seu trabalho há algum tempo via internet, poder conhecê-lo pessoalmente!

Ah, assim eu fico me sentindo o próprio Carlos Drummond de Andrade (risos). Eu é que agradeço e me sinto absolutamente honrado com a atenção de vocês.

Bom, vamos começar por uma pergunta bem clichê: o que é poesia pra você?


Bem, num dos meus primeiros poemas, escrevi: “Pouco importa, contudo, definir o que seja poesia. Ela é indefinível, porém, definidora.” Poesia, pra mim, é isso: mais do que um estado de espírito, uma atmosfera. E, talvez, por essa grandeza, seja tão complexo chegarmos a essa “definição”.

Como e quando aconteceram seus primeiros contatos com a poesia?

Através da música. Eu comecei escrevendo letras de música para uma suposta banda que eu pretendia integrar, em 1998. Entretanto, eu não sabia (e ainda não sei) tocar nenhum instrumento. Com o passar do tempo, tornou-se inviável guardar letra e música na cabeça porque era dificílimo decorar tantas melodias diferentes. Então, acabei deixando a música de lado e me concentrando no conteúdo das letras. Anos mais tarde eu percebi, sem querer querendo, que o que eu estava fazendo ali era poesia.

Quais foram suas primeiras referências na literatura?

O primeiro autor que eu li foi Monteiro Lobato, aos 7 anos de idade, em Sítio do Pica-Pau Amarelo. No entanto, minha imersão na literatura só se deu mesmo aos 13, quando descobri Raduan Nassar, em Um Copo de Cólera, e Carlos Drummond de Andrade, em Sentimento do Mundo. Depois deles, vieram Adélia Prado, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Manoel de Barros, Hilda Hilst, Cecília Meireles, entre outros.

Você costuma diferenciar poesia e poema ou, para você, é tudo a mesma coisa?

Poema é o corpo, poesia é a alma. E a recíproca é verdadeira!

Qual é a sua relação com os poetas do seu tempo? Você dialoga com seus conterrâneos?


Claro! Eu acho que a poesia contemporânea só existe quando há esse diálogo entre poesia, artistas e arteístas de uma mesma época. São essas trocas que marcam uma geração. Felizmente, minha relação com os poetas do meu tempo e lugar é a melhor e mais vasta possível. Tenho amigos como DiOli, Vera Casa Nova, Tida Carvalho, Marcelo Dolabela, Carlos Barroso, Assis Benevenuto, Júlia de Carvalho Hansen e tantos outros que dialogam com outros que dialogam com outros e assim vão dando força ao “movimento”. De certa forma, há uma presença muito forte desses amigos na minha maneira de pensar e fazer poesia.

Como é o seu processo criativo?

Não há processo criativo (risos). Já tentei ser disciplinado, acordar cedo, ir para o computador e escrever, escrever e escrever como um ofício, de fato, mas a coisa é bem mais complicada. Fazer poesia, pra mim, é o que Maria Gabriela Llansol chamou de “encontro inesperado do diverso”. São uma série de colisões suprasensoriais que impulsivamente me convergem para a escrita. E isso não tem tempo nem lugar pra acontecer. O “quando” de um poema é sempre imprevisível. Como diria Ferreira Gullar, a poesia é um susto tanto pra quem lê quanto pra quem escreve.

Quando você acha que um poema está pronto?

Quando ele consegue respirar sozinho.

Você já foi publicado em diversos coletivos culturais do seu Estado. Qual a importância desses projetos para o seu trabalho?

Toda a importância. Eu nasci numa geração onde o “movimento” é a palavra de ordem, ainda havia muitos resquícios da geração mimeógrafo e de lá pra cá, felizmente, a poesia tem entrado cada vez mais em circulação. Eu, particularmente, acho que esse é o caminho para quem quer ter algum reconhecimento ao longo de alguns anos. Através desses coletivos, meus poemas tomaram certa independência, atravessaram fronteiras, chegaram a um público que vai além dos companheiros, parceiros e amigos mais próximos e isso vem fazendo com que a minha poética de alguma maneira vá amadurecendo até mesmo por conta dos retornos, né?, os famosos feedbacks, que a gente recebe do público que tem contato com aquela poesia. Sem esse espaço, o dos coletivos, tudo isso seria ainda mais complicado e a percepção do “quando publicar um livro” que, pra mim, vem através da divulgação do seu trabalho através dos coletivos culturais, ficaria ainda mais distante e opaca.

Você ainda não tem nenhum livro publicado. É muito difícil publicar um livro de poesia?

Não. Hoje em dia nós temos um leque de opções que tornam as coisas muitos mais práticas e acessíveis. Com o desenvolvimento tecnológico, a informática e a expansão das produções independentes, publicar um livro é, de todos os passos, o mais simples. Difícil é dar movimento a esse livro, fazer com que ele vá parar nas estantes das grandes, médias ou, até mesmo, pequenas livrarias e venda. Comercializar um livro de poesia na situação em que o país se encontra e com a cultura que nós temos é que é complicado. Felizmente, nos dias de hoje, a gente conta com a internet e suas várias redes sociais, o que torna esse trabalho um pouco menos árduo. Neste caso, a questão é conhecer e saber como aproveitar essas redes.

Como surgiu o projeto “Corpo dos Afetos”?

De um surto! (risos) Mas é! Eu entrei em contato com a obra do Herberto Helder através de uma amiga, a Júlia Hansen, que freqüentemente postava trechos da poesia dele no seu blog. Daí, curioso que sou, fui buscar outras informações sobre ele e acabei ficando bastante decepcionado porque, até o momento, só existe um título e um exemplar disponível para empréstimo na Biblioteca Pública de Belo Horizonte. Paguei o livro e fui pra casa. Na época, eu já não estava tão bem de saúde, passando uma gripe terrível, fortes dores pelo corpo, febres constantes, dificuldades para respirar em conseqüência de um princípio de pneumonia, enfim... Eu tava no fosso da fossa, quase que não me suportando mais e me desmaterializando, porque a vontade é essa quando a gente se encontra nesse estado. Bom, eu estava me medicando sob orientação de um especialista, e sob auto-atrevimento comecei a tomar outros tantos febrífugos e antigripais. O que aconteceu é que, na noite “triunfal” (risos), eu me mediquei, fui pra cama, tentei dormir e não consegui. Depois de algumas horas, ali, rolando de um lado pro outro, suando demais, levantei sem ter muita noção do que tava acontecendo e como não tinha nada pra fazer, comecei a ler o livro. O que eu não esperava é que a linguagem do Herberto Helder fosse provocar aquela badtrip toda porque, com o avançar da leitura, eu comecei a viajar psicodélicamente. Acho que nem ópio ou mescalina me deixariam naquele estado. Comecei a ouvir vozes, ver vultos, gente falando o tempo todo, cães ladrando, buzinas, sirenes, enfim... só sei que uma única coisa fazia sentido naquela confusão toda e é o que, hoje, eu chamo de “consciência da escrita”. Eu só tinha a certeza de que o que eu precisava fazer naquele momento era devorar os poemas do Herberto e regurgitar aqueles textos que deram origem ao Corpo dos Afetos. No outro dia, um pouco melhor, mostrei meus textos para um amigo e, sob entusiasmada orientação dele, acabei criando o projeto.

Então essa badtrip foi muito positiva pra você...


Em se tratando de poesia, sim. No entanto, esses distúrbios são péssimos pro corpo e pro psicológico. Eu juro que pensei que nunca mais fosse voltar daquela “viagem”...

Seu caso foi bem parecido com o que ocorreu com a cantora Adriana Calcanhotto numa de suas turnês por Portugal onde ela também teve essa sensação de estar presa numa viagem provocada por psicotrópicos e acabou extraindo daí o livro “Saga Lusa” que ela publicou no final de 2008...

É, eu acho até que foi por pura “pagação de língua”, como dizem popularmente (risos). Eu sou fã da Adriana, tenho o livro e confesso que em vários momentos pensei que tudo aquilo fosse parte uma ficção, que ela talvez não tivesse lucidez suficiente, em meio a todo aquele caos, para organizar ideias e escrever. Depois de tudo o que passei, só me resta rever meus conceitos, me desculpar com ela e afirmar que tudo aquilo é caoticamente possível. (risos)

Você costuma ler outras literaturas, poesias de outros países?

Não com tanta freqüência com que leio a nossa. Tenho um caso de amor com a literatura portuguesa, mas também leio autores da América do Sul. Recentemente, descobri um escritor mexicano maravilhoso chamado Mario Bellantin e, por enquanto, tenho me dedicado a conhecer melhor a sua obra, mas também tenho contato com autores africanos, catalães, vários europeus e asiáticos. Acho importantíssimo tomar conhecimento do que se produz mundo afora em matéria de poesia. Isso enriquece e "universaliza" o trabalho da gente.

Você, atualmente, alimenta um blog que é um verdadeiro site onde você posta poemas, textos, fotos, entrevistas, etc. Você acha que a internet tem um papel importante como meio de divulgação da poesia? E do seu trabalho especificamente?

É como comentei na pergunta anterior: a internet, atualmente, é um espaço importantíssimo para quem quer manter o seu trabalho acessível e expandir sua visibilidade. Lançando mão de algumas técnicas, até mesmo para inovar e aguçar a curiosidade do leitor, podemos fazer dos blogs, por exemplo, uma excelente ferramenta de trabalho. Só ressaltando que esta será orgulhosamente a primeira entrevista que postarei no blog.

Nós, do Jornal Vanguarda, é que nos sentimos orgulhosos por isto!
Você acredita que poesia ainda é nutriente para um grupo seleto de leitores ou que essa arte está em expansão?


A discussão da poesia, infelizmente, ainda está concentrada em grupos muito seletos de críticos, estudiosos e produtores de arte, mas com as novas mídias que vêm surgindo e propiciando cada vez mais a aproximação do leitor com a obra, acredito piamente que não só a poesia, mas a arte como um todo, está em expansão.

Além de poesia, quais outras atividades ligadas à arte e à cultura você pratica?

Eu me classifico como arteísta, que é aquele agente que, mesmo trabalhando com um determinado tipo de arte, a poesia, por exemplo, vai interagir com o cinema, a dança, a moda, o circo, a música, etc. O arteísta é um ser híbrido no que diz respeito a sua produção. Sendo assim, eu acabo, de uma forma ou de outra, fazendo um pouco de tudo. Tenho escrito meus poemas, mas tenho escrito roteiros para curtas-metragens, tenho desenvolvido performances, tenho posado para fotógrafos, tenho colaborado para projetos musicais e circenses, e por aí vai...

Você é editor de um fanzine. Como surgiu essa ideia e como é o seu trabalho nesse projeto?

O Paideuma, que é o nome do fanzine, surgiu de uma parceira minha com a poeta e jornalista Carol Lara. Lançamos duas edições entre 2008 e 2009 e atualmente estamos dando uma pausa para nos dedicarmos à outros projetos individuais, mas ainda pensamos em retomar o projeto e publicar, em breve, um terceiro número.

Você acredita em influências? Se sim, quais são as suas?

Acredito mais em confluência, incidência, contaminação.

Como é o seu trabalho enquanto performer?


Insandecedor, absolutamente! (risos)

Quais são seus projetos para o segundo semestre de 2010?

Continuar escrevendo muito, amadurecer algumas ideias que eu venho gestando desde o final do ano passado, desenvolver novos projetos individuais e coletivos, me dedicar aos trabalhos da faculdade e às pesquisas “extra-classe” que eu realizo, ler todos os livros que eu me propus para 2010, aproveitar bastante a companhia da minha família, dos meus amigos e dos meus amores - e eu proíbo qualquer comentário sobre “os amores” no plural (risos).

Ah sim, coisa de poeta...(risos)


Opa! Cuidado para não se comprometer...(risos)

Bom, Hugo, eu gostaria então de agradecer pela entrevista. Foi um prazer poder conhecê-lo melhor pessoalmente, você é simpaticíssimo e sua companhia é muito agradável. Esperamos que você continue cada vez inventivo com seu trabalho e que ele prospere atingindo distancias incomensuráveis. Parabéns!

Eu que agradeço, e muito, a atenção e a gentileza de vocês. Muito obrigado!



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*Entrevista concedida à equipe do Jornal Vanguarda, em julho de 2010, Belo Horizonte, MG.